terça-feira, 30 de dezembro de 2008
sexta-feira, 26 de dezembro de 2008
Dançar Afetos com a Cidade
Muita gente tinha me pedido pra enviar a versão "fala" do texto sobre Néfes em Português, apesar de achar meio longo pra virar post, aqui vai- qualquer coisa me escrevam. Abraços e Bom ano pra todas as cidades.
Dançar afetos com a cidade
O trabalho de Pina Bausch, Tanztheater Wuppertal e Istambul.
Bianca Scliar Mancini
Preâmbulo: Curiosamente ao iniciar a versão em português deste artigo deparei-me com impossibilidades semânticas, como a tradução de Dancing city affects, o subtítulo da versão em inglês desse texto. Fiquei algum tempo cogitando sobre a significação que o título conferiria ao trabalho pois, a meu ver, dançando afetos da cidade estabeleceria uma contradição em meu argumento. Dançar afetos com a cidade pareceu-me a melhor aproximação, já que implica um pas de deux, um movimento conjunto de dois corpos que se encontram e alteram simultaneamente suas espacialidades e temporalidades. Mais do que isso, dançar com implica o estabelecimento de sentidos que apenas existem no momento desse encontro.
Para compreender a maneira pela qual o método coreográfico de Pina Bausch contribui para o processo de desterritorialização da cidade é necessário inicialmente perguntar-nos: afinal o que é a cidade?
Ora, a tendência em responder a essa questão que tradicionalmente apontava para o entendimento da cidade como espaço ocupado, geográfica e arquiteturalmente, gradualmente desfez-se ao longo do século XX e em seu lugar entraram em cena teorias que enfatizam a noção de corpos em movimento como importante camada da malha urbana, como percebe-se nos escritos de Lewis Mumford(Mumford 1996), Michel de Certeau (Certeau 1988), Richard Sennet (Sennett 1994) e Henri Lefebvre. Lefebvre, por exemplo, argumenta que o espaço não é uma limitação física, mas sim algo produzido históricamente a partir de como as pessoas agregam significação através de suas atividades cotidianas. Para ele há um espaço que pré-existe ao fenômeno natural, há também o espaço absoluto, o espaço abstrato e o espaço ainda por vir, todos porém interconectados e sobrepostos(Lefebvre, Kofman et al. 1996).
Com a sedimentação da noção de que cidades são mais do que seu conjunto arquitetônico, são espaços praticados, o projeto da cidade que se define pelo movimento de seus habitantes vem sendo explorado em pesquisas sobre o cotidiano em diversas áreas como arquitetura, geografia e ciências políticas, e encontra desdobramentos em todas as linguagens artísticas.
Desde o modernismo coletivos como Os Situacionistas Internacionais, os Futuristas e o Fluxus, dentre outros conjuntos de artistas, alguns já citados no Corpocidade, como Flávio de Carvalho, em suas caminhadas desbravadoras de posturas moralmente aceitas pela sociedade paulistana nos anos trinta, Arthur Barrio e sua versão da derivee, exploraram a cidade como seu material principal de trabalho. Nessas obras o encontro modelado pelo artista com o espaço público e, por conseqüência, com o outro reivindicava a dimensão política das relações entre todo e qualquer indivíduo com o espaço da cidade, que seria um local de contaminação comportamental e, portanto, onde os âmbitos políticos, éticos e estéticos se encontravam.
Pina Bausch, coreógrafa alemã que se distingue pela fundação da vertente da dança contemporânea conhecida como dança teatro, vem explorando afetos entre o corpo e a cidade em uma série de trabalhos criada em diversos continentes ao redor do mundo. Depois de Nur Du, inspirada em suas visitas ao oeste norte-Americano e através de parcerias com instituições culturais locais, sua companhia, o TanzTheater Wuppertal, estabeleceu residências em Hong Kong onde criaram o Der Fenster Putzer, no Brasil com, Água, em Lisboa, com Masurca Fogo. Roma, Palermo, Budapeste foram algumas das cidades com as quais a companhia dançou. Nefés, a peça dedicada a Istambul estreou em 2003, co-produzida pelo festival Internacional de Teatro de Istambul e a fundação de cultura e artes local.
Este texto não pretende ser uma crítica tradicional ao trabalho de Pina Bausch, mas sim empresta as praticas desta artista e através de Nefés, elabora algumas ponderações sobre a intersecção entre a cidade e a dança e as potencialidades discursivas contidas neste encontro.
As composições de Bausch extrapolam a representação de cidades visitadas por sua companhia e defendem a idéia de que o corpo é (e enfatizo aqui o verbo ser) simultaneamente várias cidades. O corpo cênico resulta da e também promove a desterritorialização do espaço urbano contemporâneo.
Quando se pensa sobre dança e a cidade, vemos hoje duas tendências principais: uma primeira que trata da dança na cidade, ou seja, o espaço urbano como extensão do palco (e que eu chamo de falso site-specific). Nesse caso, o que é modificado através da ação do bailarino é a forma de habitar um dado espaço, durante a duração do espetáculo. O lugar é suporte e/ou cenário da ação. O que a performance move é um padrão de movimento corporais. O corpo move o espaço.
A outra vertente seria a tendência que eu chamo de Coletora: cataloga. Nessas obras o criador se inspira e recolhe elementos da cidade, movimentos habituais, para a criação de combinações coreográficas destinadas ao palco- transportando os movimentos que ocorrem no caos e cotidiano urbano pra dentro do cubo branco/ teatro. Nesse caso o que se move é o espaço, transportado em práticas espaciais através do corpo do bailarino para um outro limite físico. O espaço é movido no corpo.
A série das cidades de Pina Bausch poderia facilmente ser enquadrada dentro dessa última categoria, exceto por uma particularidade que chamou minha atenção enquanto espectadora: Pina não move padrões recolhidos para o palco apenas: mais do que representar alegorias de uma cidade que visitou, ela elabora uma coleção de impressões que por si inventam um lugar que só existe através do corpo do performer.
Em Nefés Bausch ordena uma alternativa para a solidificação de uma cidade a partir de afetos e coleciona movimentos que nem sempre ocorreram ou referem-se diretamente àquela cidade. A coreógrafa declara que esta série vem de seu desejo em descobrir a essência dos lugares, e , em decorrência disso, o público percebe ao longo do espetáculo que a essência não está nos lugares, mas nos visitantes e na forma como estes aterrissam os espaços em seus corpos.
Mas o que significa afinal considerar uma cidade a partir de afetos? Elizabeth Grosz define afetos como não resultando da consciência mas sim como sendo torções do próprio corpo (Grosz 1995). A identidade da cidade é dobrada em corpo e a percepção espacial dobrada em afeto. Em Nefés vemos a idéia de que afetos criam-se a partir do movimento e das trocas ad infinitum com o espaço de passagem. Alfred North Whitehead e seu conceito de preensões negativas nos auxilia a compreender como o espaço se compõe no corpo através de uma colagem de lugares que estão para além do que o corpo percebe sensorialmente de onde se encontra. Preensões negativas, segundo Whitehead são aquilo que apreendemos do mundo, mas que dirigem nossa atenção a outra coisa, o que se percebe, mas se exclui da constituição espaço-temporal momentânea (Whitehead 1960). Para ele o encontro com um objeto (objeto aqui podendo significar o outro, a cidade, ou qualquer entidade que informe perceptualmente o corpo no espaço) pode tornar-se um evento. Um movimento de transformação é um evento. No pensamento de Whitehead “há a negação de uma diferença ontológica entre o que chamamos de objetos mentais e atos subjetivos. Quando ele concorda com William James na rejeição de uma dualidade entre pensamento e coisas” (Shaviro) nos permite compreender a cidade como algo que extrapola os parâmetros de físicalidade para ser aquilo que é sentido (significado) espacialmente. O sentido, ou o que Whitehead chama de Nexo, é um estar junto momentâneo que se dissolve na fração seguinte que se actualiza. A cidade só ganha Nexo quando é significada no corpo e vice-versa.
É essa a Istambul de Pina Bausch, aquela do encontro volátil entre os bailarinos coletores e a superfície arquitetônica, entre os gestos capturados nos espaços coletivos e aqueles das memórias individuais. A relação com a cidade não é primordialmente perceptual, ela é inventada em um contínuo de encontros, potencialmente de eventos..
Ambiente e corpo como duas entidades inseparáveis é também uma das principais idéias nas teorias da dupla de arquitetos e filósofos Arakawa e Madalaine Gins (Gins 2002). Segundo eles, a cidade não hospeda o corpo. Radicalmente, segundo sua teoria, a cidade não existe. Na verdade ela existe apenas no que chamam de momentos de aterrissagem. Retomando nossa pergunta inicial, “o que é a cidade?”: para eles a cidade não é, ela se realiza e adquire nexo no estar no o outro, no togetherness de Whitehead. Interessantemente e muito alinhado ao processo compositivo de Bausch, para eles não há nenhuma hierarquia entre os espaços de aterrissagem perceptuais e os imaginários. Eles explicam: “o mundo exterior está sempre ali para provir aquilo que possamos nos sentir obrigados a lembrar e assim liberta a memória de acompanhar o espaço imediato que nos rodeia. A memória se qualifica a expandir-se pois não necessita lembrar-se do que está logo ali, podendo a qualquer instante revisitar o presente” (Gins 2002). Assim o corpo pode aterrissar em outros espaços, lugares que são recolecionados e evocados a partir de um dado encontro físico, mas que são igualmente determinantes na nossa percepção e configuração espacial.
Quando descrevo que as cidades de Pina Bausch são cidades elaboradas primordialmente a partir de afetos, não me refiro ao afeto emocional, mas ao que Deleuze descreve como pré-perceptivo. Afetos são essas “sinestesias virtuais ancoradas e funcionalmente limitadas pelo que está atualizado”, mas que extrapolam o que as incorpora (Massumi 2002) .Nefés é um exemplo de como o corpo inventa a cidade através de uma sucessão de espaços de aterrissagem e de como afetos desencadeiam a percepção espacial (e não o contrário). No palco vê-se eventos onde o corpo do bailarino sobrepõe espaços de aterrisagem e desterritorializa a presença. Um corpo que se actualiza em Istambul transforma-se em Istambul, mesmo que no teatro.
O ser-corpo, este organismo que se personifica (Arakawa & Gins), atribui à cidade uma característica peculiar. Percebe, experiencia e apropria-se do espaço, apreende, seleciona e atentivamente desenha sobre a superfície da cidade uma outra camada espaço-temporal: em velocidade, rotas, percursos, ocupações. São dois corpos em movimento, um mais volátil que o outro. Conforme descrito por de Certeau (Certeau 1988), a cidade se cria a partir do encontro, a partir da invenção de um único e efêmero ponto de vista que a transforma espacialmente (93).
Bausch declara não estar interessada em como as pessoas se movimentam, mas no que as move. Ela investiga o que move um corpo e como um corpo pode mover conceitualmente o que a platéia carrega como pré conceitos sobre aquela cidade.
Para aqueles que estão inquietos, devo dizer que evito aqui a descrição de cenas, buscar significação ou ainda tratar Nefés como metáforas espaciais. Esta obra é a meu ver uma coleção de presenças, seguindo um pouco o que Hans-Ulrich Gumbrecht descreve como efeitos de presenças (Gumbrecht 2004), cuja significação é senão indescritível, ao menos é desinteressante. Presença é o que faz com que o espaço torne-se elástico e transcenda seus limites materiais de acordo com as tendências e vetores de intencionalidades.
Bausch demole a noção de que cidade e corpo humano configuram duas arquiteturas autônomas e que se relacionam, que fazem fronteira, mas que não se sobrepõem, e entrega o conceito da cidade ao movimento do corpo.
Nefés não é site-specific (Kwon 2002), pois, apesar de referenciar um determinado lugar, a partir do momento em que em jogo estão afetos dos bailarinos e o re-colecionamento de imagens, portanto presença, desmantela-se a própria noção de site como um corpo estático. Não há nada específico em um lugar que preexista ao movimento do corpo. A cidade se transforma conforme aterrissa em cada corpo.
Nefés é uma cidade em si.
Na referência direta ao Hamam, o banho turco, por exemplo, o foco está em um aspecto peculiar: o corpo como centro da vida social. O espaço compartilhado é onde se experimentam as diferenças a partir de padrões comportamentais predeterminados. Um dos dançarinos apresenta-se dizendo “ este sou eu no Hamam” o público confronta um corpo que reproduz uma postura assumida em um outro local. Ele aponta para si: este sou eu lá (e não aqui). Logo outros dançarinos entram no palco e perdem-se em gestos ao apontar uns aos outros “este sou eu no Hamam”, indicando que os corpos que compartilham um mesmo local tornam-se confundíveis e o eu e o outro intercambiáveis. O outro transforma-se em uma reflexão de si. Qualquer corpo poderia ser este corpo, quando se compartilha um espaço de intimidade coletiva. Num mesmo espaço: o mesmo corpo.
Em seguida a metade dos dançarinos deita-se no solo enquanto os outros postam-se em pé, cada qual com seu par, utilizando-se do tecido tradicional usado no Hamam, que úmido e com sabão é soprado. Mãos deslizam sobre o balão de sabão e desinflam a respiração que ali estava contida- as bolhas encobrem o corpo deitado. O que um exala esconde a face do outro.
Vocês podem imaginar que, baseando-se tanto em livre associação dos dançarinos a partir de coletas no espaço urbano, que as críticas mais comuns a esta série referem-se a ausência de comprometimento com as cidades onde trabalham, como pode ser percebido na crítica Joan Acocella publicada na New Yorker Magazine:
“In fact, she rarely took the target city very seriously. You would never have known that ‘Palermo, Palermo’ was about Palermo, or that the other pieces were about the other places, if the title or the musical choices—sometimes just the advertising—hadn’t tipped you off” .
“Na realidade ela (Bausch) raramente a cidade como alvo muito à sério. Você jamais saberia que Palermo Palermo era sobre Palermo, ou que as outras composições eram sobre outros lugares caso o título ou a escolha da trilha Sonora ou até mesmo apenas a publicidade não dessem a dica.”
Essa crítica denota como ainda se espera que o outro informe o que é uma dada cidade, antes da visita, antes da presença quer-se o previsível: o conforto de reconhecer e não o desconforto de re-collecionar, que implica uma desestabilização e desterritorializaçao do que se constrói como o próprio corpo. Bausch segue em mais de duas horas de coreografia interconectando interior e exterior, experiências individuais e coletivas, lugares passados e presentes, encontros virtuais e actuais e sujeito e a cidade tornam-se entidades nômades.
Ao compilar em suas coreografias uma coleção de estados físicos, os dançarinos passam a ser mais do que testemunhas de uma cidade e tornam-se o próprio corpo da cidade. Historia, arquitetura, legendas e mitos cotidianos, memórias individuais e vocabulários físicos adquiridos fundem-se na transposição da cidade ao palco, ou melhor, do palco em uma cidade.
As diversas seqüências curtas que compõem a coreografia são jogos relacionais. Um beijo roubado, um parceiro que segura travesseiros e retrata a suspensão provocada pela generosidade de dar-se. Quando uma mãe está constantemente presente entre o casal de amantes, quando um homem suspende a pequena garota o mais alto que pode, para que ela possa alcançar uma caixa de bombons escondida no limite do palco. Quando um bailarino tenta em vão proteger uma mulher da exposição pública, ainda que esta esteja indiferente à exposição de seu corpo pelo vestido rasgado, e mesmo quando oito mulheres flertam com um homem que passa; há um prazer sensual no estar junto, no togetherness, que dá nexo ao espaço compartilhado. A cidade é a possibilidade do encontro.
Bausch trabalha na linha tênue entre o cômico e o violento, que muitas vezes causa desconforto. Exatamente por tratar de questões éticas e morais neste limite é que ela consegue atingir a audiência a partir de afectos e transformar a experiência de Nefés em uma tonalidade experiêncial da cidade. Isso só se torna possível porque o que se dança é o que não pode ser dito, é a intensidade do evento, o movimento do que não se pode representar, o conteúdo de uma cidade que é experiência corporal.
A abundância de gestos do Bharata Natyam, a ênfase dada às mãos, ao mesmo tempo em que não vemos jamais as pernas femininas, cobertas por longos vestidos, repetição e permanência, suspensão, transferência de seqüências dançadas por um duo que mais tarde contaminam o gestural de toda a companhia, a multiplicação de corpos, correntes e cortes.
Em Nefés Baush consegue interromper a memória e solicitar que o publico recolha familiaridades e reconhecimentos em uma cidade que ocupa Istambul para existir no período da performance. Conforme o espetáculo se aproxima do fim, a platéia pode até sentir-se um pouco mais intima daquela cidade, mas a maior realização de Bausch é ter conseguido guiar-nos por espaços que não são mapeáveis, que não são tombáveis e que são inexistentes geográficamente.
Por fim, o que re-colecionamos após assistir a Nefés são afetos: aquilo que permite estar aqui e ali simultaneamente. Conhecer uma cidade baseia-se em sinestesias, depende de deslizes, caminhadas, corridas e toque, tudo isso acontece no espaço do teatro e quando o espetáculo se encerra, cada um de nós torna-se um suspiro de Istambul.
Referencias Bibliográficas:
Certeau, M. d. (1988). The practice of everyday life. Berkeley, University of California Press.
Gins, A. a. M. (2002). The Architectural Body. alabama, the university of alabama press.
Grosz, E. A. (1995). Space, time, and perversion : essays on the politics of bodies. New York, Routledge.
Gumbrecht, H. U. (2004). Production of presence : what meaning cannot convey. Stanford, Calif., Stanford University Press.
Kwon, M. (2002). One place after another : site-specific art and locational identity. Cambridge, Mass., MIT Press.
Lefebvre, H., E. Kofman, et al. (1996). Writings on cities. Cambridge, Mass, Blackwell.
Massumi, B. (2002). Parables for the virtual : movement, affect, sensation. Durham [N.C.] ; London, Duke University Press.
Mumford, L. (1996). What is a City? The City Reader. R. T. L. and and F. Stout. London + New York, Routledge: 183-188.
Sennett, R. (1994). Flesh and stone : the body and the city in Western civilization. New York, W.W. Norton.
Whitehead, A. N. (1960). Process and reality, an essay in cosmology. New York,, Harper.
quarta-feira, 17 de dezembro de 2008
Abaixo-Assinado: Libertem A Pichadora Caroline Pivetta Da Mota
Para Assinar Clique aqui
COMO ATIÇAR A BRASA
Abaixo-Assinado: Libertem A Pichadora Caroline Pivetta da Mota,
abaixoassinado.org
<http://www.canalcontemporaneo.art.br/ >brasa/archives/001971.html
Ministro da Cultura pede a Serra libertação de pichadora da Bienal, por
Diógenes Muniz, Folha on line
<http://www.canalcontemporaneo.art.br/ >brasa/archives/001968.html
Curto-circuito na instituição Bienal, comentário de Hermuth a matéria acima
<http://www.canalcontemporaneo.art.br/ >brasa/archives/001968.html
REDE
As articulações do vazio ou em busca do buraco da Bienal por Fernanda
Albuquerque,
iberecamargo.org.br
<http://www.canalcontemporaneo.art.br/e- >nformes.php?codigo=2249#9
BIENAL DE SP
ESTADO DE SÃO PAULO
No dia da abertura da 28ª Bienal de Artes de São Paulo, 40 pichadores
entraram no Pavilhão e "atacaram" com seu design gráfico todo
particular o segundo andar o prédio, o local que estava o chamado
"vazio" proposto pela curadoria que consistia de paredes e pilastras
brancas. Na ocasião, a pichadora Caroline Piveta Mota foi a única
detida sob a alegação de depredar o patrimônio público. Acusada de se
associar a "milicianos" para "destruir as dependências do prédio", a
jovem continua presa.
O que nós, agentes culturais, estranhamos é que existe um paradoxo
nesse caso, pois se trata de patrimônio público, mas também de uma
mostra de arte contemporânea, local propício para esse tipo de
manifestação desde o começo do século 20.
Como escreveu o professor e artista Artur Matuck: "As paredes foram
pichadas e repintadas e a mostra não foi prejudicada. Independente da
discussao estética, se a pichaçao é ou não arte, se se justifica ou
não, a atuação deste grupo ao invadir o prédio da Bienal com um grupo
de pichadores, foi também um ato expressivo, foi inequivocamente uma
manifestaçao cultural. [...] Uma discussão ampla e bem informada sobre
o fenômeno cultural da pichaçao é relevante desde que na medida em que
não é validado enquanto expressao artistica pode ser considerado como
vandalismo e justificar repressão".
Repressão essa que faz Caroline estar presa até hoje e ainda pegar uma
pena de 3 anos.
Por isso pedimos: LIBERTEM A PICHADORA CAROLINE PIVETA DA MOTA!
To: FUNDAÇÃO DA BIENAL DE SÃO PAULO AND THE PUBLIC PROSECUTOR'S OFFICE
OF THE STATE OF SÃO PAULO
On the day of the opening of the 28th São Paulo Biennial, 40
pichadores (taggers) entered the Pavilion and 'attacked' the second
floor of the building with their particular graphic designs. The
second floor hosted the so-called 'void' proposed by the curators and
it consisted of while walls and pillars. At the occasion, the tagger
Carolina Piveta Mota was the only person to be arrested under the
allegation of vandalizing a public heritage site. Accused of
associating with 'militia men' in order to 'destroy the building', the
young girl is still imprisoned.
We believe there is a paradox in this case, for although the pavilion
is indeed a cultural heritage site, it also hosted a contemporary art
exhibition, which has been a suitable setting for this type of
manifestation since the early 20th century.
As professor and artist Artur Matuck wrote: 'The walls were tagged and
subsequently repainted and the show was not negatively affected.
Leaving aside any aesthetic debate – whether tagging is art or not, if
it is justified or not – the action of the group of taggers that
invaded the Biennial building was also an expressive act, it was
undoubtedly a cultural manifestation. […] An ample and well informed
discussion about tagging as a cultural phenomenon is relevant insofar
as it is not validated as an artistic expression and can be considered
as vandalism, justifying repression'.
It is because of this type of repression that Caroline is still in
prison and runs the risk of being condemned to 3 years in jail.
This is why we ask: FREE THE PICHADORA CAROLINE PIVETA DA MOTA!
>Bienal age de modo cínico e intolerante ao lavar as mãos
>Acusar a grafiteira Carolina da Mota, presa há 52 dias, de "danificar patrimônio tombado" é estratégia hedionda
>
>PAULO HERKENHOFF
>ESPECIAL PARA A FOLHA
>
>Minha opinião ou a de qualquer outra pessoa sobre o grafite não tem a menor importância no caso da Carolina Pivetta da Mota na Bienal de São Paulo. Não se trata de condenar ou aplaudir a ação de grafitagem. Eu vi, em 1972, os seguranças do MAM carioca ajudarem Antonio Manuel a fugir da polícia que o perseguia porque havia se apresentado nu no Salão Nacional de Arte Moderna. O MAM do Rio não mandou prender Raimundo Colares quando quebrou vidros do prédio em manifestação durante a ditadura militar.
>A Bienal quer que o Brasil sinta saudades da ditadura? A mesma Bienal que entrega a grafiteira à polícia foi a que proscreveu Cildo Meireles em 2006 por ter protestado contra a reeleição de Edemar Cid Ferreira para seu conselho. O paradoxo é que Edemar não providenciou a prisão da garota que beijou com batom uma tela de Andy Warhol na Bienal de 1996, fato muito mais grave do que grafitar paredes nuas.
>A Bienal, seu presidente, conselheiros e curadores que continuarem a se omitir precisam aprender algo com Edemar: na Bienal, a repressão não é um fim em si. Confesso que, quando soube da grafitagem, pensei que fosse um gesto autorizado numa Bienal que ia criar uma praça de convivência e estimulava a participação da cultura pop jovem. Era estratégia de marketing ou efetiva proposta de política cultural?
>No entanto, tudo é obscurantista na posição da Bienal desde o dia da grafitagem. Posso até entender as reações de primeira hora mais agressivas por agentes culturais e políticos da Bienal, mas temos de admitir ser uma estratégia hedionda acusar a grafiteira de "danificar" o patrimônio tombado, já que as feiras, as festas de casamento e a própria Bienal furam e escrevem nas paredes, pintam e bordam com o prédio sem autorização do Iphan.
>Se a grafiteira fosse um nome do mercado de arte não teria sido presa ou já estaria solta. O ato de Carolina Pivetta da Mota é rigorosamente igual a tudo o que ocorre no prédio da Bienal. Depois é só repintar, como aconteceu. Tudo se refaz porque o prédio da Bienal está à disposição da expressão. Sua estrutura original de feira industrial tinha que ser necessariamente versátil para atender a todo tipo de tranco físico. Por isso o acabamento sem adornos e luxo do Pavilhão do Ibirapuera. É só cimento, tijolo e cal.
>
>Debate na pasmaceira
>Carolina também não interveio na obra de ninguém. Ela não é uma Tony Shafrazi, que grafitou a "Guernica" de Picasso. Se tivesse praticado um ato anti-social realmente grave, Carolina já poderia ter sido condenada a alguma prática comunitária na própria Bienal. Neste caso, não se estaria "domesticando" uma consciência crítica, mas dando-lhe a oportunidade de entender melhor o processo de uma Bienal. O que Carolina está contribuindo socialmente agora é a introduzir um debate na pasmaceira institucional.
>Se tivesse causado um dano real à superfície das paredes, teria sido ínfimo. Dirigi um museu do Iphan onde uma ex-diretora causou danos em esculturas ao instalá-las ao ar livre, onde tomavam chuva ácida. O Iphan e o Ministério Público não pediram sua prisão quando se verificaram danos irreparáveis à pátina na escultura "A Faceira de Bernardelli".
>No caso do grafite na Bienal, não ficaram seqüelas. Fui curador da 24ª Bienal de São Paulo, e minha monografia final no mestrado em direito pela Universidade de Nova York foi na área de direito constitucional. Nessa dupla condição, afirmo que o que vejo aqui é uma posição odienta da Bienal transferindo a responsabilidade por essa situação kafkiana para os órgãos do Estado como responsáveis por este processo.
>Carolina não danificou nenhuma obra de arte. Por acaso, Oscar Niemeyer veio a público protestar contra a grafitagem como um "ataque" danoso ao pavilhão do qual é autor, como sempre fez quando degradam um projeto de sua autoria?
>A Fundação Bienal primeiro agiu de modo intolerante e agora de modo cínico ao lavar as mãos. Parece que estar em "vivo contato", proposta desta Bienal, está sendo entendido como exercício de ira ou crueldade que, afinal, estão entre as pulsões de morte da espécie humana. Ou é só vingança? Afinal, alguém tem que pagar...
>Mesmo que seja uma mulher, baixinha, gordinha que não conseguiu escapar da ineficiente vigilância da instituição como os outros 30 galalaus. Sua prisão serviu para salvar a honra dos vigilantes e o contrato da empresa com a Bienal... Parabéns a Carolina por não ter pensado na delação premiada para se safar da encrenca, mesmo depois de 52 dias sem um habeas corpus. Carolina Pivetta da Mota passou o dia de comemoração dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos numa cadeia em São Paulo. Isso não denigre a Bienal, nem São Paulo, nem o Brasil. Isso denigre a humanidade.
>Se o vazio fosse de fato o espaço aberto para discutir a instituição, essa extraordinária grafitagem teria sido incorporada ao projeto ético e político da 28ª Bienal. A grafitagem já é um dos fatores mais marcantes desta edição. Com mais repressão, deixará de ser um problema de excessivo rigor penitenciário para se tornar uma questão para estudos éticos curatoriais e debates estéticos. Se a Fundação Bienal de São Paulo não se cuidar, a conclusão a que se poderá chegar é a de que o principal problema da Bienal é a 28ª Bienal e a estrutura política que a sustentou.
>Peço desculpas a Carolina por não ter protestado, em minha recente palestra na Bienal, em sua defesa e contra esse estado brutal de condução da vida institucional. Eu pensava que já estivesse solta. Quem salva o Brasil e a Bienal não é cadeia, é Mário Pedrosa ao dizer que a arte é o exercício experimental da liberdade. E dirigir a Fundação Bienal de São Paulo ou fazer curadoria não pode perder isto de vista. (Rio, 12/12/2008)
>
>PAULO HERKENHOFF é curador e crítico de arte. Dirigiu o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio, e foi curador do MoMA em Nova York e da 24ª Bienal de São Paulo, em 1998
>
SOLTEM CAROLINE!
Caroline Piveta da Mota, 23 anos, está presa há 40 dias por ter participado de uma intervenção na Bienal do Vazio. Foi o único gesto de importância naquilo lá. As performances oficiais, como sempre, afundaram em nulidade. Aliás, como tudo o que se diz "estético", entre a presunção e a repetição reificada do gesto duchampeano!
Caroline e seus 39 amigos num gesto naif de "intervenção artística" desmontaram a farsa da bienal. A farsa da arte contemporânea.
Os curadores também são vitimas, plenos na soberba, da estética anodina que queriam criticar com o vão vazio. Como se pudessem ocupar um espaço critico! Esquecem das relaçoes promíscuas, que azeita a maquina especulativa, estabelecidas entre critica/artista/marchand e que nao tem nada de estetico. Grau zero.
Mas eles não são Caroline nem os meninos que a acompanharam. Pois estes estão fora do círculo vicioso da arte e de sua crítica. Dai a força incisiva do seu gesto!
A criminalizaçao da " intervençao" é um ardil pelo qual tentam nos ludibriar sobre a importancia da bienal e da arte na cena brasileira.
Segundo Aguillar, (http://noticias.uol.com.br/
(Na sexta-feira passada Caroline teve seu habeas corpus negado)
SOLTEM CAROLINE!
w. drummond
http://xfiacoes.blogspot.com/
quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
Viajar
O turista está exposto.
A paisagem também.
O turista é observado.
Se olhan mutuamente e cada um tem suas propias conclusoes.
Conclusoes que dependem da casualidades, encontros, momentos, condiçoes, atitudes.
Eu tenho uma cadeira.
Uma cadeira e cinco dias.
5 dias de estética urbana.
5 dias da pessoa que olha desde dentro.
5 dia de estou sozinha e nao sempre entendo.
Eu penso.
Eu sou performance.
Numa cadeira.
Sozinha.
Uma caderneta e eu.
Quem fala comigo?
Quem faz uma intervençao comigo?
5 dias
5 intervençoes comigo
Eu quero uma camiseta.
Uma camiseta que grite:
“EU TAMBEM SOU UMA PERFORMANCE”.
Desegno e penso na cidade.
Penso nas relaçoes
Penso nos contrastes
Penso na cotidianidade.
Penso nos intereses.
Porque nosso olho interessa por isso?
Porque nossa cabeça interessa por aquello?
Que som as coisas que nao olhamos?
Enquanto desegno.
Este é o resumo de minhas horas de cadeira.
sábado, 6 de dezembro de 2008
quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
quarta-feira, 3 de dezembro de 2008
URBANda - Cartotopography Salvador
Cartotopography Salvador
The body experience in the city of Salvador in the connection with the existing
memories of everyday walking in Weimar have been the inspiration for
the intervention on 28 th of october 2008.
Participants of URBANda had to cover their eyes to enhance the other senses.
While walking, they had to transcript the sensation of Salvador on a roll of paper.
Other influences, such as the sounds of the city, climatic impressions,
urban barriers and sudden emotions like fear and disorientation marked
a strong personal experience.
The perception of Salvador turns more and more into a physical process of discovering.
domingo, 30 de novembro de 2008
segredos trocados...universos revisitados
O que acontece ao corpo quando ele passa duma urbe para outra? O que é que ele transporta e onde?
Chegar a Salvador, vinda de Montpellier com outras raízes agarradas aos músculos, foi uma das experiências corpocidadianas mais interessantes. Foi antes de tudo mais viver a própria temática do CORPOCIDADE, no meu próprio corpo; como, imagino, terá sido para todos uma experiência de corpo, palpável. Como foi no vosso corpo? Como ele se moveu durante essa semana? E depois?
O corpo - e quando digo corpo refiro-me a tudo o que através dele nos tece relações - mudou de velocidade, de textura, de consistência, de som. Ao permeabilisar-se houve choque, agitação molecular, fusão, tensão muscular, abertura e fecho dos poros...ir e vir, entrar e sair, afastar e aproximar. Talvez uma certa confusão na fisicalidade! Provavelmente por isso precisei de fazer ginásticas todas a manhas antes de ir para o corpocidade, para poder limpar, focar, afinar...como diz a Sofia Neuparth.
E nesse lugar de movimento nasceu a troca de segredos inusitada. Do que me ficou desta experiência na qual participei com grande felicidade , foi mesmo a atenção e o carinho que damos a um lugar, à curiosidade de receber “exteriores” vários, e como ai pode ou não acontecer comunicação, troca, vitalidade, e inscrição. E isso começou na forma como as proponentes me levaram com elas para a rua de Salvador. Como ouvimos (mesmo com as orelhas e com a pele!), o que o corpo de um lugar nos conta, e o que fazemos com isso. As palavras e os gestos dos contadores de segredos fazem parte duma malha de matéria urbana de Salvador, são Salvador. Que segredos queríamos ouvir? Até onde nos deixamos levar pela aventura de sermos apenas veículos dessa malha e não mais a origem do nosso próprio desejo? Com que velocidade aceitamos incorporar e ser incorporados e que é que isso tece na qualidade da comunicação que acontece nos interstícios.
Num outro lugar de movimento incorporei o Universo vos revi nu. Aqui o meu corpo se pôs alerta, instintivamente protegendo algo que de forma contraditória não queríamos dar a ver e queríamos que fosse visto... foi muito interessante não estar muito a par das intenções dos proponentes e deixar que o meu corpo responda e se adapte. Por vezes senti-me fora do lugar enquanto estava no anel poético dos vestidos! E aqui me parece importante mais uma vez questionar? O que foi para cada um desses corpos estar ali protegendo, atraindo, se despindo e sentido adrenalina, gerindo o espaço em volta? O que foi provocar ? E então o que foi que se comunicou pelo corpo aos corpos em volta? O que se questionou realmente? O que trouxe esse corpo colectivo para aquele espaço? O que é que um espaço pede como intervenção artística? Como prestamos atenção nisso e o que comunicamos realmente? Mais do que discutir as reaçcões dos habitantes, que, a meu ver, e como alguém também mencionou, são perfeitamente previsíveis (!), falar sobre como ouvir um espaço e como ai nos relacionamos com os habitantes e portanto com a cidade, me parece vital. E ai pode nascer o conflito, a discussão, o fervor do que se provoca talvez...os tais afectos.
Do fundo do meu corpo, participar de CORPOCIDADE esta a ser muito rico e fértil! Ficou o estimulo à reflexão e uma certa comichão criadora de movimento! Bom fim de domingo. E obrigada a todos e todas!
Sara Jaleco.
segunda-feira, 24 de novembro de 2008
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sexta-feira, 21 de novembro de 2008
sexta-feira, 14 de novembro de 2008
quarta-feira, 12 de novembro de 2008
Retirada do Varal
Meus queridos,
o varal foi removido hoje, segunda-feira dia 11 de novembro, lua cheia.
A notícia me chegou agora.
Não foram utilizados os andaimes e a pessoa contratada para o serviço não participou da ação.
Ele foi retirado com uma escada e uma faca pela equipe de funcionários da administração do Dique.
As roupas foram distribuídas no local e juntou muita gente.
Agradeço a todos, sobretudo Lourival, por tudo que foi o processo "varal".
Queria dizer-lhes que adorei poder participar, achei lindo na paisagem e que ele protagonizou lances incríveis em muitas esferas diferentes e reveladoras dos corpos e da cidade de Salvador.
Abraços meus, Pedro.
PS. Alguém esteve lá no horário da retirada e registrou. Segundo Sr. Everaldo - administrador do dique - este alguém se identificou como sendo do IPHAN. Ele e eu não estávamos lá na hora, mas adoraria ver este registro!PS2. Reproduzo a mensagem que me chegou junto com a confirmação da retirada.
----- Original Message -----
From: EXÚ dos correios
Salvador, 11 de novembro de 2008.
MANIFESTO pelo uso do Dique do Tororó
Aos "poderes" supra-municipais, na pessoa de não sei quem (?);
Sou Maria José, residente aqui da Boa Vista há mais de 40 anos, conheci esse bairro ainda pequeno e tranqüilo. Hoje, sou líder do sindicato de lavadeiras do Alto da Boa Vista, uma entidade muito respeitada e quero relatar uma história que aconteceu por muitos anos, quase uma vida inteira de crianças e mulheres aqui dos arredores. Logo cedo, o dia ainda fresco, ali no início da Ladeira da Ajuda reuniam muitas mulheres e suas crianças, todas desciam de trouxa na cabeça, sacola de sabão, baldes e cestos de palha até a Fonte do Dique pra lavar roupa de uma numerosa clientela, gente de outras regiões da cidade mandavam suas roupas pra gente cuidar. Assim aconteceu até que as trouxas de roupa não desciam mais pro Dique, ficam agora dentro da nossa casa, com pouco espaço, sem a brisa boa e as prosas todas que aconteciam no meio de tanta gente trabalhando, e que dirá daqueles cantos que embalavam a lavagem de roupa, quando a manhã corria como nem água fresca. Ali, muita menina moça aprendeu a lavar roupa, muita conversa fiada de marido desapegado, de criança adoentada, de receita novidadeira, de convite de caruru, de praga de santo que pega e de milagre de santo que alivia. Hoje, lavadeira trabalha sozinha, perdeu espaço para a máquina de lavar e com pouca divulgação do nosso trabalho, fechado dentro de casa, a clientela acabou diminuindo demais.
Por isto tudo, temos uma séria solicitação com os poderes municipais, queremos retornar ao Dique, fazer dali nosso espaço de trabalho e fortalecer nossa profissão. Do jeito que vai, lavadeira não vai ter mais espaço na cidade. Como aconteceu lá na Lagoa do Abaeté, as lavadeiras hoje têm a Casa das Lavadeiras, fazem um trabalho ecológico e não usam mais a água da Lagoa. Está certo que mudou muita coisa, mas pelo menos elas têm direito de continuar trabalhando em grupos, no mesmo lugar que sempre gostaram e viveram, umas ajudando às outras e já pensam até em uma creche para seus filhos.
Nós aqui da Boa Vista pensamos em um deque de madeira em cima do Dique, quem sabe um lugar bem aberto e arejado, mas com cobertura, onde poderemos até passar as roupas, sair dali com a trouxa pronta pra entregar e não sofrer tanto com o sol e a chuva. Um fato recente chamou nossa atenção e achamos que isso só veio fortalecer nosso movimento, um grande varal de roupa está estendido ali no Dique, vai de uma ponta à outra e ficou lindo demais, só fez aumentar nosso entusiasmo. Disseram que é obra de arte e o artista pendura varal em várias cidades no mundo, já foi para o exterior e até a Fundação de Cultura da Bahia apoiou. Para nós aqui do sindicato, foi uma homenagem quando vimos aquele varal lindo estendido no Dique. Achamos que a hora é essa, aproveitar o varal e esticar outros mais para que possamos secar as roupas de nossa clientela. Nosso trabalho terá uma divulgação melhor e ainda poderemos trabalhar num lugar mais agradável, que os quintais apertados de nossas casas.
Por todos estes motivos aguardamos uma resposta dos poderes supra-municipais. Queremos providências e estamos fortalecidas agora com apoio de artistas plásticos e as lavadeiras do Abaeté, não calaremos nossa reivindicação. Queremos mais varais, tanques e um bom ambiente para que nossa profissão continue sustentando tantas famílias baianas como já acontece há mais de um século.
Aguardamos uma providência.
Maria José das Águas.