quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

BIENAL DE SP

Destinatário: FUNDAÇÃO DA BIENAL DE SÃO PAULO E MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DE SÃO PAULO

No dia da abertura da 28ª Bienal de Artes de São Paulo, 40 pichadores
entraram no Pavilhão e "atacaram" com seu design gráfico todo
particular o segundo andar o prédio, o local que estava o chamado
"vazio" proposto pela curadoria que consistia de paredes e pilastras
brancas. Na ocasião, a pichadora Caroline Piveta Mota foi a única
detida sob a alegação de depredar o patrimônio público. Acusada de se
associar a "milicianos" para "destruir as dependências do prédio", a
jovem continua presa.
O que nós, agentes culturais, estranhamos é que existe um paradoxo
nesse caso, pois se trata de patrimônio público, mas também de uma
mostra de arte contemporânea, local propício para esse tipo de
manifestação desde o começo do século 20.
Como escreveu o professor e artista Artur Matuck: "As paredes foram
pichadas e repintadas e a mostra não foi prejudicada. Independente da
discussao estética, se a pichaçao é ou não arte, se se justifica ou
não, a atuação deste grupo ao invadir o prédio da Bienal com um grupo
de pichadores, foi também um ato expressivo, foi inequivocamente uma
manifestaçao cultural. [...] Uma discussão ampla e bem informada sobre
o fenômeno cultural da pichaçao é relevante desde que na medida em que
não é validado enquanto expressao artistica pode ser considerado como
vandalismo e justificar repressão".
Repressão essa que faz Caroline estar presa até hoje e ainda pegar uma
pena de 3 anos.
Por isso pedimos: LIBERTEM A PICHADORA CAROLINE PIVETA DA MOTA!

To: FUNDAÇÃO DA BIENAL DE SÃO PAULO AND THE PUBLIC PROSECUTOR'S OFFICE
OF THE STATE OF SÃO PAULO

On the day of the opening of the 28th São Paulo Biennial, 40
pichadores (taggers) entered the Pavilion and 'attacked' the second
floor of the building with their particular graphic designs. The
second floor hosted the so-called 'void' proposed by the curators and
it consisted of while walls and pillars. At the occasion, the tagger
Carolina Piveta Mota was the only person to be arrested under the
allegation of vandalizing a public heritage site. Accused of
associating with 'militia men' in order to 'destroy the building', the
young girl is still imprisoned.

We believe there is a paradox in this case, for although the pavilion
is indeed a cultural heritage site, it also hosted a contemporary art
exhibition, which has been a suitable setting for this type of
manifestation since the early 20th century.

As professor and artist Artur Matuck wrote: 'The walls were tagged and
subsequently repainted and the show was not negatively affected.
Leaving aside any aesthetic debate – whether tagging is art or not, if
it is justified or not – the action of the group of taggers that
invaded the Biennial building was also an expressive act, it was
undoubtedly a cultural manifestation. […] An ample and well informed
discussion about tagging as a cultural phenomenon is relevant insofar
as it is not validated as an artistic expression and can be considered
as vandalism, justifying repression'.

It is because of this type of repression that Caroline is still in
prison and runs the risk of being condemned to 3 years in jail.

This is why we ask: FREE THE PICHADORA CAROLINE PIVETA DA MOTA!


>Bienal age de modo cínico e intolerante ao lavar as mãos
>Acusar a grafiteira Carolina da Mota, presa há 52 dias, de "danificar patrimônio tombado" é estratégia hedionda
>
>PAULO HERKENHOFF
>ESPECIAL PARA A FOLHA
>
>Minha opinião ou a de qualquer outra pessoa sobre o grafite não tem a menor importância no caso da Carolina Pivetta da Mota na Bienal de São Paulo. Não se trata de condenar ou aplaudir a ação de grafitagem. Eu vi, em 1972, os seguranças do MAM carioca ajudarem Antonio Manuel a fugir da polícia que o perseguia porque havia se apresentado nu no Salão Nacional de Arte Moderna. O MAM do Rio não mandou prender Raimundo Colares quando quebrou vidros do prédio em manifestação durante a ditadura militar.
>A Bienal quer que o Brasil sinta saudades da ditadura? A mesma Bienal que entrega a grafiteira à polícia foi a que proscreveu Cildo Meireles em 2006 por ter protestado contra a reeleição de Edemar Cid Ferreira para seu conselho. O paradoxo é que Edemar não providenciou a prisão da garota que beijou com batom uma tela de Andy Warhol na Bienal de 1996, fato muito mais grave do que grafitar paredes nuas.
>A Bienal, seu presidente, conselheiros e curadores que continuarem a se omitir precisam aprender algo com Edemar: na Bienal, a repressão não é um fim em si. Confesso que, quando soube da grafitagem, pensei que fosse um gesto autorizado numa Bienal que ia criar uma praça de convivência e estimulava a participação da cultura pop jovem. Era estratégia de marketing ou efetiva proposta de política cultural?
>No entanto, tudo é obscurantista na posição da Bienal desde o dia da grafitagem. Posso até entender as reações de primeira hora mais agressivas por agentes culturais e políticos da Bienal, mas temos de admitir ser uma estratégia hedionda acusar a grafiteira de "danificar" o patrimônio tombado, já que as feiras, as festas de casamento e a própria Bienal furam e escrevem nas paredes, pintam e bordam com o prédio sem autorização do Iphan.
>Se a grafiteira fosse um nome do mercado de arte não teria sido presa ou já estaria solta. O ato de Carolina Pivetta da Mota é rigorosamente igual a tudo o que ocorre no prédio da Bienal. Depois é só repintar, como aconteceu. Tudo se refaz porque o prédio da Bienal está à disposição da expressão. Sua estrutura original de feira industrial tinha que ser necessariamente versátil para atender a todo tipo de tranco físico. Por isso o acabamento sem adornos e luxo do Pavilhão do Ibirapuera. É só cimento, tijolo e cal.
>
>Debate na pasmaceira
>Carolina também não interveio na obra de ninguém. Ela não é uma Tony Shafrazi, que grafitou a "Guernica" de Picasso. Se tivesse praticado um ato anti-social realmente grave, Carolina já poderia ter sido condenada a alguma prática comunitária na própria Bienal. Neste caso, não se estaria "domesticando" uma consciência crítica, mas dando-lhe a oportunidade de entender melhor o processo de uma Bienal. O que Carolina está contribuindo socialmente agora é a introduzir um debate na pasmaceira institucional.
>Se tivesse causado um dano real à superfície das paredes, teria sido ínfimo. Dirigi um museu do Iphan onde uma ex-diretora causou danos em esculturas ao instalá-las ao ar livre, onde tomavam chuva ácida. O Iphan e o Ministério Público não pediram sua prisão quando se verificaram danos irreparáveis à pátina na escultura "A Faceira de Bernardelli".
>No caso do grafite na Bienal, não ficaram seqüelas. Fui curador da 24ª Bienal de São Paulo, e minha monografia final no mestrado em direito pela Universidade de Nova York foi na área de direito constitucional. Nessa dupla condição, afirmo que o que vejo aqui é uma posição odienta da Bienal transferindo a responsabilidade por essa situação kafkiana para os órgãos do Estado como responsáveis por este processo.
>Carolina não danificou nenhuma obra de arte. Por acaso, Oscar Niemeyer veio a público protestar contra a grafitagem como um "ataque" danoso ao pavilhão do qual é autor, como sempre fez quando degradam um projeto de sua autoria?
>A Fundação Bienal primeiro agiu de modo intolerante e agora de modo cínico ao lavar as mãos. Parece que estar em "vivo contato", proposta desta Bienal, está sendo entendido como exercício de ira ou crueldade que, afinal, estão entre as pulsões de morte da espécie humana. Ou é só vingança? Afinal, alguém tem que pagar...
>Mesmo que seja uma mulher, baixinha, gordinha que não conseguiu escapar da ineficiente vigilância da instituição como os outros 30 galalaus. Sua prisão serviu para salvar a honra dos vigilantes e o contrato da empresa com a Bienal... Parabéns a Carolina por não ter pensado na delação premiada para se safar da encrenca, mesmo depois de 52 dias sem um habeas corpus. Carolina Pivetta da Mota passou o dia de comemoração dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos numa cadeia em São Paulo. Isso não denigre a Bienal, nem São Paulo, nem o Brasil. Isso denigre a humanidade.
>Se o vazio fosse de fato o espaço aberto para discutir a instituição, essa extraordinária grafitagem teria sido incorporada ao projeto ético e político da 28ª Bienal. A grafitagem já é um dos fatores mais marcantes desta edição. Com mais repressão, deixará de ser um problema de excessivo rigor penitenciário para se tornar uma questão para estudos éticos curatoriais e debates estéticos. Se a Fundação Bienal de São Paulo não se cuidar, a conclusão a que se poderá chegar é a de que o principal problema da Bienal é a 28ª Bienal e a estrutura política que a sustentou.
>Peço desculpas a Carolina por não ter protestado, em minha recente palestra na Bienal, em sua defesa e contra esse estado brutal de condução da vida institucional. Eu pensava que já estivesse solta. Quem salva o Brasil e a Bienal não é cadeia, é Mário Pedrosa ao dizer que a arte é o exercício experimental da liberdade. E dirigir a Fundação Bienal de São Paulo ou fazer curadoria não pode perder isto de vista. (Rio, 12/12/2008)
>
>PAULO HERKENHOFF é curador e crítico de arte. Dirigiu o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio, e foi curador do MoMA em Nova York e da 24ª Bienal de São Paulo, em 1998
>

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