quarta-feira, 29 de outubro de 2008

a Cerca do espaço - Zona de Interferência

Resumo Conceitual: vivências do espaço 

O Grupo Zona de Interferência propõe a intervenção aCerca do espaço para poetizar a 

vivência da cidade, por meio de dispositivos que buscam tensionar as fissuras que a “cidade 

privatizada” provoca no espaço vivido. Interessa-nos construir uma poética que relacione a 

concretude do espaço urbano com a forma como cada pessoa o vivencia, subjetivando- 

se/subjetivando-o, uma vez que esse espaço revela-se, cada vez mais, a partir da esfera da 

privatização e do consumo, da negação da diferença e da espetacularização da violência. Presente 

no desenho e na representação simbólica a ele correspondente, o continente privado da vida é 

apresentado, espetacularizado, desejado e gozado cotidianamente. 

A importância que a esfera do privado vem tomando no tecido da cidade é visível. E está 

presente desde a valorização do transporte individual, em carros carregando apenas um indivíduo, 

até a onipresença dos shoppings (templos de consumo, aparência e homogeneidade; monumento 

ao privado e ao totalitarismo soft de consumo nada soft), alcançando ainda a esfera da cultura 

(fetichizada e demarcada, hoje, como território de marcas – produtos, pessoas – famosas, às quais 

agrega valor). Neste processo, encontramos a experiência da rua, território próprio do público e 

do político, como “residual”– a rua passa a ser uma fissura da cidade, o resíduo, indesejado, 

daquilo que não se pôde privatizar. 

Nesta proposta, desejamos tensionar a dimensão da alteridade que subjaz a esse processo 

de privatização, posto que os processos de subjetivação produzidos nesta cidade contemporânea, 

que entendemos como privatizada, parecem sofrer também um movimento de privatização. 

Ainda assim, entendemos que qualquer reflexão sobre a relação cidade/subjetividade encaminha- 

nos ao campo político, do mesmo modo como as intervenções urbanas atingem os modos de 

subjetivação.  

Segundo dados divulgados, a cidade de Salvador sofrerá, em breve, uma intervenção que 

mostra-se cada vez mais comum: o monitoramento por câmeras de vídeo, uma velha-nova 

tecnologia “orwelliana” de “repressão contra a criminalidade”. Para além de qualquer discussão 

sobre a validade de tal mecanismo, consideramos importante pensarmos sobre as condições da 

vida política na cidade controlada, bem como sobre os corpos que nela transitam, vigiados. 


Cada espaço é habitado de várias formas. Adquire significações múltiplas, dependendo do 

observador e de seu objetivo. Os espaços do centro da cidade são diferenciados em relação a 

outras partes da cidade: há os que apenas transitam por ele, e há os que o vivenciam de maneira 

intensa e diferenciada. São freqüentados não apenas por aqueles que ali moram, mas por milhares 

de pessoas – que ali trabalham, que vão às compras, ou que simplesmente o atravessam para ir a 

outro lugar.  Para o público que faz dele seu cotidiano – moradores de rua, comerciantes, 

seguranças, vendedores, desocupados –, estes não apenas enxergam o espaço de maneira distinta 

daqueles que apenas passam por ele, a pé, de carro ou ônibus, mas também o ressignificam e 

reconstroem.  

Foras dos limites móveis do centro, outras significações se aplicam ao espaço, outras 

formas de transitar. Dentro ou fora, dentro e fora, do centro da cidade, o espaço urbano é 

sempre dispositivo de produção da vida pública, pois possui a dimensão do humano em todos os 

seus cantos e em sua produção simbólica.  

É o espaço público o espaço do conflito. Contudo, o mundo privado – cercar, controlar, 

vigiar, conter, intensificar, produzir – propõe proteger-nos deste conflito que, por sua vez, é 

ineliminável. É preciso, assim, tomar a cidade por seu movimento (pela forma como o espaço é 

apropriado, produzido e reproduzido), não a perceber apenas por meio de seus aspectos 

exteriores. Vivenciar a cidade, com suas cercas e muros, delírios de controle e segurança. 

 

Materializar e tornar visível o que já se faz familiar e introjetado – subjetivado e desejado. Enfim, 

entendemos que intervir nesse espaço é transformar sua vivência cotidiana.  

A proposta da interferência “aCerca do espaço” é poetizar a relação de cada um com o 

espaço que o cerca e com as cercas que construímos ao nosso redor. Cercamo-nos para não 

sermos invadidos, para não sermos atingidos e atravessados. Para nos livrarmos do impoluto e do 

indesejável. Com isso nos tornamos refratários ao desconhecido e ao próprio desejo do outro. 

Ao construir as cercas que buscam impedir e acabam por negar ao outro, geramos uma falsa 

impermeabilidade – a recusa de sermos atingidos pelo outro, exterior a nós. São cercas e muros 

erguidos cotidianamente pelos muros reais e simbólicos, erguidos na espetacularização da 

violência. Tornamo-nos reféns desse imaginário, de nossos medos e do que conhecemos. 

Tolhemos a troca e a proximidade do outro – muitas vezes não a proximidade física, mas 

justamente a subjetiva, a dimensão dos afetos: afetar-se.  

A materialização da cerca é a concretização de nossas estratégias de privação de contato, de 

aceitação do que é apenas semelhante a nós mesmos. 







fotos de Ícaro Vilaça, Diego Mauro e Paola Berenstein Jacques

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