quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Os obscuros holofotes da mídia



Encontrar uma matéria jornalística sobre uma intervenção urbana artística como o caso da intervenção Universo Revi Nu, ao lado de uma outra cujo conteúdo se trata do assassinato de dois adolescentes na capital baiana é, no mínimo, estranho. Afinal, os assuntos considerados temas de arte sempre estiveram relegados às páginas dos cadernos de cultura e espetáculos dos jornais e revistas. Deparar-se com esses dois tipos de informação em uma mesma página provoca, em seus leitores, no mínimo, estranhamento. Motivo, ao meu ver, de profunda reflexão.

É claro que o tema do assassinato dos adolescentes é considerado notícia de maior relevância e que, portanto, merece maior espaço na página do jornal A Tarde, de Salvador – afinal, estamos falando de imprensa, mercado e capital, antes mesmo de se falar de questões como vida, morte, arte ou tráfico de drogas. É assim, friamente mesmo, que os meios de comunicação operam. Vende mais o que causa mais impacto, o que choca, o que espetaculariza o fato... É claro que não se trata de um via unilateral... “Vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?” (Lembram da propaganda dos Tostines? ...pois é....)

Por outro lado, ler a notícia da performance ao lado da trágica história, nos remete a situação de emergência social em que estamos. O fato do episódio da intervenção artística ter sido elencado para as páginas policiais pode nos leva a pensar também nas possibilidades que intervenções urbanas possuem de penetrar, infiltrar, deslocar, transitar por diversas áreas e ambientes, aparentemente, distintos - e suscitar diversas questões bem próximas ao cotidiano de muitas pessoas. Mas por que uma ação artística, como o caso do UNIVERSO REVI NU, ganha as páginas policiais e não merece a atenção do caderno de cultura? Esta zona de fronteira, própria das performances e intervenções urbanas, conta com áreas do conhecimento que, ao meu ver, uma não elimina a outra. Pelo contrário, elas alimentam-se, complementam-se e estão sempre imbricadas.

É claro que os veículos de comunicação se classificam categoricamente em editorias de cultura, política, economia, internacional, etc... e colocam muito mais do apenas informações que julgam relevantes para a população em seu cotidiano, mas também sob qual enfoque determinados assuntos devem ser tratados.

O fato dessa intervenção aparecer na editoria policial, não quer dizer que a obra mereceu espaço de crítica ou discussão pelo jornal. Afinal, no caderno de polícia já sabemos que não é dado ao corpo esse espaço de legitimidade e reflexão. Ou seja, categoriza-se a notícia como crime (ou quase), elenca-se os fatos, finaliza com um ou dois depoimentos e, dia após dia, páginas e páginas são viradas e apagadas, assim como os corpos violentados dos quais se fala. Enquanto isso, a editoria de cultura não considerou, pelo menos até agora, o tema como relevante para a sua pauta diária. (E provavelmente, não irá considerar, pois, de hoje para amanhã e para o ‘timing’ da notícia, a pauta já está velha...)

A sensação é de que parece um lugar confortável este que os meios de comunicação diários estão ao eleger as abordagens de corpo que mais lhes interessa para colocar em pauta. Diariamente, jorra uma infinita e ininterrupta produção de informações por inúmeros informativos, jornais, TV, rádio, internet. Mas quando o assunto é corpo, já sabemos o script: ‘corpo em forma’ é sinônimo de malhação de academia. Botox, silicone ou plástica é o mínimo que você pode fazer. Nudez? Só se for na capa da Playboy ou da G Magazine! E lá, ficar nu(a), meu bem, é coisa chique! Ou se fala desse corpo idealizado, ou se fala do corpo marginalizado. E se a opção for a segunda... a coisa complica ainda mais um pouco.
Um bom exemplo é o próprio caderno de polícia. Por que, nesses cadernos, “corpo” só aparece como sinônimo de defunto, marginal, vítima? E por que só os corpos dos cadernos de cultura ou ciência e saúde tornam-se sinônimo de vida, brilho, progresso? De que corpos estamos falando? Qual o nosso limite como consumidores dessas informações? Como essas abordagens de corpo, veiculadas pelos jornais e TVs, vem sendo assimiladas e repercutem nas nossas atitudes e posturas cotidianas?

Teria algum interesse da mídia - e, é claro, da própria sociedade que a consome também - em levantar um outro teor de discussão, outras abordagens de corpo, considerando as especificidades próprias dos corpos, seus contextos, valores e qualidades - estejam eles à luz ou à sombra?
O que deve ser tapado, e o que deve ser revelado; o que pode ser iluminado e o que pode manter-se à sombra? Qual a medida e a dose dessas ações? Por que nas páginas de revistas brasileiras, femininas ou masculinas, a nudez torna-se fetiche e produto de consumo, e aos olhos nus, torna-se uma afronta? De que maquiagem estamos falando?

E se pensarmos que a polêmica do Universo Revi Nu fosse para a editoria de política? É inegável que a obra esbarra em questões da lei federal. Não seria esta intervenção um ato político, social? A performance ocorreu em uma cidade altamente turística como Salvador, onde um dos grandes marketings explorados no mercado turístico é o próprio corpo brasileiro. Quer queiramos ou não, as “gostosas” brasileiras continuam atraindo os holofotes internacionais como produto exportação – e, é claro, as capas de revistas, os jornais, sites, encartes de CDs e por aí segue a indústria cultural. Vende-se a bunda de fulana, o peito de ciclana, em ritmo de axé...
E a nudez continua a ser castigada, como diz a reportagem em questão, parafraseando Nelson Rodrigues. Antes fosse só a nudez...

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