segunda-feira, 10 de novembro de 2008

MOTO CONTÍNUO (2)

Por: Néle Azevedo 

Bem, finalmente paro por um momento para escrever  a experiencia de participar como testemunha na intervenção de Gabriela Tarcha.
No domingo, dia 2/11, estava no porto da barra e caminhava à procura de um ponto de onibus para ir embora pra arrumar as malas e voltar a São Paulo. Fui surpreendida pela visão do Fernando do outro lado da rua, na beira da calçada num movimento de atravessar na faixa de pedestre. O movimento era banal, uma passo que pisa na faixa e retorna, num movimento de vai e vem.
Contente por encontrá-lo perguntei-lhe se iria atravessar e ele respondeu que não. Atravessei e ele continuou no mesmo movimento ritmico, numa especie de balanço de uma perna pra outra. Ali ficamos por um tempo, eu entrei no movimento com ele para conversarmos no mesmo ritmo. Tratava-se da performance Moto contínuo.
A policia havia chamado o SAMU tomando-o por louco. Foram muitas explicações a diversos policiais e transeuntes que observavam o Fernando no mesmo movimento durante  três ou quatro horas, não sei ao certo. Os observadores estavam sentados num bar em frente e lhe ofereceram água, água de coco, cerveja, etc.
 
O que me chamou muito a atenção nesse pequeno gesto repetido foi a simplicidade do recorte desse movimento banal, no sentido de comum, cotidiano, que nessa repetição ganhava um ritmo e surpreendia a todos e a surpresa estava exatamente na continudade do movimento, só quem observava por algum tempo se intrigava com o gesto iniciado e repetido para atravessar na faixa de pedestres.
 
Uma rua não atravessada, um gesto banal repetido a exaustão, e nenhuma fotografia, nenhuma imagem, só a experiencia do vivido.
 
Voltei pra São Paulo atravessada por essa experiência, experiencia de testemunha do acontecimento sem imagens para mostrar, sem documentos em vídeos. 
Venho pensando a algum tempo nessa radicalidade de não documentar as minhas ações no espaço urbano, de suportar a efemeridade, de apenas ter vivido.
Parabéns Gabriela, foi um feliz encontro com o seu trabalho.

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moto contínuo – exhaust it on (working title): 

 

 

a cidade como corpo intenso, incansável, incompreensível, perambulante 

o corpo enquanto fluxo inquietante que se manifesta publicamente 

o público como público, público da cidade, público uns dos outros, e não menos público privado 

a cidade que se demora a esquecer pois tem a memória impressa no corpo 

o corpo indelével, indomável, inexorável 

projeto presente passando pelo meio do público passante 

a cidade afeita aos afetos e artefatos 

corpos-corporificando-corporeidades 

outras  

a cidade toda errante 

contenciosamente coexistindo 

cedendo sedenta 

corriqueiramente 

turbulências corporais 

recompondo-se  

 

 

Gabriela Tarcha 

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