quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Retirada do Varal

De : Pedro Britto 

Meus queridos,
o varal foi removido hoje, segunda-feira dia 11 de novembro, lua cheia. 
A notícia me chegou agora.
 
Não foram utilizados os andaimes e a pessoa contratada para o serviço não participou da ação. 
Ele foi retirado com uma escada e uma faca pela equipe de funcionários da administração do Dique.

As roupas foram distribuídas no local e juntou muita gente. 
 
Agradeço a todos, sobretudo Lourival, por tudo que foi o processo "varal". 
Queria dizer-lhes que adorei poder participar, achei lindo na paisagem e que ele protagonizou lances incríveis em muitas esferas diferentes e reveladoras dos corpos e da cidade de Salvador.
 
Abraços meus, Pedro.
 
PS. Alguém esteve lá no horário da retirada e registrou. Segundo Sr. Everaldo - administrador do dique - este alguém se identificou como sendo do IPHAN. Ele e eu não estávamos lá na hora, mas adoraria ver este registro!PS2. Reproduzo a mensagem que me chegou junto com a confirmação da retirada.

----- Original Message ----- 
From: EXÚ dos correios   
Salvador, 11 de novembro de 2008. 

MANIFESTO pelo uso do Dique do Tororó 
Aos "poderes" 
supra
-municipais, na pessoa de não sei quem (?); 
Sou Maria José, residente aqui da Boa Vista há mais de 40 anos, conheci esse bairro ainda pequeno e tranqüilo. Hoje, sou  líder do sindicato de lavadeiras do Alto da Boa Vista, uma entidade muito respeitada e quero relatar uma história que aconteceu por muitos anos, quase uma vida inteira de crianças e mulheres aqui dos arredores. Logo cedo, o dia ainda fresco,  ali no início da Ladeira da Ajuda reuniam muitas  mulheres e suas crianças, todas desciam de trouxa na cabeça, sacola de sabão, baldes e cestos de palha até a Fonte do Dique pra lavar roupa de uma numerosa clientela, gente de outras regiões da cidade mandavam suas roupas pra gente cuidar.  Assim aconteceu até que as trouxas de roupa não desciam mais pro Dique, ficam agora dentro da nossa casa, com pouco espaço, sem a brisa boa e as prosas todas que aconteciam no meio de tanta gente trabalhando, e que dirá daqueles cantos que embalavam a lavagem de roupa, quando a manhã corria como nem água fresca. Ali, muita menina moça aprendeu a lavar roupa, muita conversa fiada de marido desapegado, de criança adoentada, de receita novidadeira, de convite de caruru, de praga de santo que pega e de milagre de santo que alivia. Hoje, lavadeira trabalha sozinha, perdeu espaço para a máquina de lavar e  com pouca divulgação do nosso trabalho, fechado dentro de casa, a clientela acabou diminuindo demais. 
Por isto tudo, temos uma séria solicitação com os poderes municipais, queremos retornar ao Dique, fazer dali nosso espaço de trabalho e fortalecer nossa profissão. Do jeito que vai, lavadeira não vai ter mais espaço na cidade. Como aconteceu lá na Lagoa do Abaeté, as lavadeiras hoje têm a Casa das Lavadeiras, fazem um trabalho ecológico e não usam mais a água da Lagoa. Está certo que mudou muita coisa, mas pelo menos elas têm direito de continuar trabalhando em grupos, no mesmo lugar que sempre gostaram e viveram, umas ajudando às outras e já pensam até em uma creche para seus filhos. 
Nós aqui da Boa Vista pensamos em um deque de madeira em cima do Dique, quem sabe um lugar bem aberto e arejado, mas com cobertura,  
onde poderemos até passar as roupas, sair dali com a trouxa pronta pra entregar e não sofrer tanto com o sol e a chuva. Um fato recente chamou nossa atenção e achamos que isso só veio fortalecer nosso movimento, um grande varal de roupa está estendido ali no Dique, vai de uma ponta à  outra e ficou lindo demais, só fez aumentar nosso entusiasmo. Disseram que é obra de arte  e o artista pendura varal em várias cidades no mundo, já foi para o exterior e até a Fundação de Cultura da Bahia apoiou. Para nós aqui do sindicato, foi  uma homenagem quando vimos aquele varal lindo estendido no Dique. Achamos que a hora é essa, aproveitar o varal e esticar outros mais para que possamos secar as roupas de nossa clientela. Nosso trabalho terá uma divulgação melhor e ainda poderemos trabalhar num lugar mais agradável, que os quintais apertados de nossas casas. 
Por todos estes motivos aguardamos uma resposta dos poderes supra-municipais. Queremos providências e estamos fortalecidas agora com apoio de artistas plásticos e as lavadeiras do Abaeté, não calaremos nossa reivindicação. Queremos mais varais, tanques e um bom ambiente para que nossa profissão continue sustentando tantas famílias baianas como já acontece há mais de um século. 
Aguardamos uma providência. 
Maria José
 das Águas.
 

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